quinta-feira, abril 29, 2004

Saudades

Olá! Rapariga destemida,
Viajas em busca da sorte,
Repleta de coragem e determinação.

Flutuas suavemente nos céus,
Impregnas o ar do teu perfume,
Que inalo de olhos fechados,
Desviando por instantes as saudades.

Milhas naúticas nos separam,
O mar, ondula ao teu jeito,
Desconcertado, brilhante, imenso,
Enérgico na rebentação.

Olho os céus...
Rogo a uma nuvem que te traga,
Empurrada pela brisa passageira...

Apenas por linhas invisíveis conectamos,
Espero em ânsia pela próxima vez,
Até lá, moras em mim,
Do lado esquerdo do meu peito...

JR

sexta-feira, abril 23, 2004

Peça de Barro

Os dias sobrepõem-se penosamente
Em camadas de entulho humano.
Despojos do meu ser que se me apartam e petrificam…

Reparo no sujeito do vidro,
Uma sombra do que já foi.
O tempo que passou sem se ver,
Dia após dia, noite após noite.
Sonho após sonho…
Olho-me com desprezo, questiono-me:
Quem sou?
Quem é este personagem em que vivo?
Que é este vil ser que me tornei?
Não me reconheço…
Moldaste-me como barro,
Recriaste-me numa peça à tua imagem,
E eu parvo e cego, nem reparei,
Pouco importava desde que tu o quisesses assim.
Agora vejo que de nada valeu,
Agora vejo na escuridão sem fim,
O vazio, o nada, e tudo mais que se perdeu…
Esta peça que criaste está agora abandonada,
Esquecida na prateleira dos teus “projectos falhados”
Bem perto do “não tive coragem, não arrisquei”.

Os dias sobrepõem-se penosamente
Em camadas de entulho humano...

Adeus artesã,
Adeus meu um dia Anjo com nome de flor.

BR

terça-feira, abril 20, 2004

Relato

Manejo uma folha rasgada,
À parte de tudo, à parte de todos,
Rabisco versos sem nexo,
Transcrevo o estado de alma.

A música é absorvida...
Oiço arranjos perfeccionistas,
Melodiosos a cada passagem,
Que termina com histeria.

O fumo galga o ar,
Em sentido ascendente;
Paira um odor contagioso,
Que se espalha a cada sopro.

A química está presente,
Vejo rostos expressivos,
Pessoas falam paralelamente,
Infiltradas de êxtase.

Entre luzes de flashes,
A dança contínua...
Agitam-se os corpos,
Embriagados pelo álcool.

Bebo um trago,
Do elixir da salvação;
Eis o último risco,
Finita a reflexão.

JR

domingo, abril 18, 2004

Ultimo copo

Vejo copos que se apagam lentamente
Líquidos mágicos que desaparecem
Na calma de quem não tem pressa.
Escuto confissões, desabafos, conversas soltas.
Bons amigos saboreiam suas presenças,
Mais um momento tranquilo, regenerador, necessário.
Olho-os do meu canto escuro,
Invejo os seus espontâneos sorrisos,
Quero roubá-los todos para mim, porque preciso…
Contrastam com toda a tristeza que me possui.
Mais uma vez tudo se repete, tudo se reduz a cinzas.
O fogo que ainda resiste cá dentro,
Congelo com pensamentos frios de dor,
Apago-o lentamente num longo trago de saudade, indignação.
Porque é que tudo tem de acabar assim?
Viraste-me a cara, fingiste nem me ver…
Porquê? Mais uma pergunta sem resposta,
Mais um mistério que guardarás,
Mas desta vez só para ti.
Muitos foram os acasos, muitos os desencontros,
Tantas tristes coincidências, tantos “desculpa não deu”.
Perdoa-me se sem querer te magoei,
Se o fiz não sei, hoje não quero saber.
Vazios os copos deixarei,
Até que um dia me levante e os torne a encher.

BR

quinta-feira, abril 15, 2004

Natura

Rodeado de florestas queimadas,
Encontro grutas abertas...
Brumas dispersas,
Na imensidão da terra,
Que de luto veste a serra.
Avisto seres vivos cremados...
Árvores mutiladas pelo fogo,
Encrustadas no solo...
Apontando para o céu,
Como um ponto de exclamação,
Exclamando pela salvação.
Resta deixar o tempo fluir...
Para que o verde ressuscite
E a natura volte a sorrir...

JR

terça-feira, abril 13, 2004

Insonia

Densa nuvem negra paira sobre mim.
Não sei como nem porquê,
Mas algo não está bem…
Tremem-me as mãos, custa-me respirar.
Agito a cabeça mas não sacudo a inquietação.
Que se passa? Porque não dás noticias?
A ansiedade toma conta de mim,
Foram muitas as horas de espera,
Muitos os momentos de saudade,
E agora tão perto, não me consigo controlar.
Eu não sou assim, que se passa comigo?
Que falta de domínio é esta que me assombra?
Insónia, desespero, angustia…
As pálpebras cansadas cedem à incontornável gravidade,
Mas o meu cérebro continua activo, acordado,
Dispara pensamentos ritmados
Pelo bombear do meu coração.
Rápido, mais rápido, veloz
é assustador…
As imagens desfazem-se,
Estou no meio de um turbilhão,
As parede movem-se rapidamente,
Tudo me circunda, tudo gira,
Rápido, mais rápido, veloz…
Estou tonto, não sinto o chão,
Vou cair…
Não! Não! Não!

Grito forte e espanto o silêncio.
Aos poucos o carrossel pára,
O ritmo decresce em batidas cansadas
Que me estremecem o corpo.
A cabeça ainda lateja mas sossega…
Retorno a calma lentamente,
Olho-te uma vez vais mais,
Sorriu, invoco-te,
saboreio-te num último suspiro,
numa ultima lágrima.
Fecho os olhos e cedo por fim.

BR

quarta-feira, abril 07, 2004

Num só

E da noite se fez dia.
Da escuridão do céu rompeu o sol,
E a luz inundou as trevas.
Voltaste, devolveste-me a vida,
Devolveste-me a alegria, a paz, tanto amor…
Penei sem fim por horas amargas,
Por ruas de caminho eito
Mas de destino incerto.
Becos onde me encurralava,
Perdido e só chorava pedindo perdão…
Hoje tudo mudou, hoje tudo parou.
Da tormenta das águas
Sobrou a brisa de mar calmo.
Nasceu o dia entre nós,
Renascemos nos lábios húmidos
Que unimos em doces beijos.
Nossos corpos se reencontraram,
Se fundiram, se amaram,
Partilhamos nossas vidas separadas
Como se um sempre fossemos.
E porque não para sempre um?
Para sempre eu, tu… num só.
Numa realidade diferente desta,
Algures entre o perdido e o imaginário,
Pouco interessa o aqui, o ali,
Onde quer que seja…
Desde que estejas, existas, enchas de tanta cor
O preto e branco do meu mundo…
Preciso de ti “principesca”,
Vem pintar comigo em traço duplo
A tela branca das nossas vidas…

BR

sexta-feira, abril 02, 2004

Espacial

Percorro o caminho da solidão,
Pela estrada de Santiago;
Grito como um louco,
Exclamando pela absolvição;
Pulo, de estrela para estrela,
Na esperança de a tocar,
Mas, já encontrei o infinito,
E dela nem sinal...
Paro por uns instantes,
Pinto ábacos com as mãos,
Com sangue de veias interrompidas,
Pelo corte masoquista,
Proveniente na neurose,
Que me flagela.
Acabo por desenhar um anjo,
Que ganha vida, salva-me...
E voa comigo para outra galáxia…

JR